
Apesar de a obra de Eunice de Souza ainda não ter sido publicada no Brasil, houve uma tentativa de traduzir sua obra, feita pelo diplomata e tradutor Hugo Lorenzetti Neto, que divulga poesia de várias partes do mundo através de um projeto O caderno rosa. Alguns dos poemas aqui traduzidos já haviam sido traduzidos anteriormente por Hugo Lorenzetti, mas caso desejem comparar as traduções, vocês perceberão algumas diferenças na escolha dos vocábulos, os quais têm enorme importância sob a perspectiva de uma tradutora do sexo feminino.
https://escamandro.wordpress.com/2020/06/04/eunice-de-souza-por-hugo-lorenzetti-neto/
Os seis poemas traduzidos abaixo foram extraídos da coletânea intitulada Necklace of skulls: collected poems (2009), o qual contém 75 poemas da autora divididos em 7 subcategorias. Além dos poemas inéditos, há poemas já publicados anteriormente em obras como Fix (1979) e Dangerlok (2001). A expressão Necklace of skulls (colar de caveiras) talvez não traga nenhuma imagem ao leitor que desconhece a mitologia hindu, mas este acessório é a característica mais marcante da deusa Kali, um dos avatares de Durga, no qual ela devora e mata seus inimigos. É uma poderosa deusa adorada e temida pelos indianos.
No ocidente, no século XX, Kali passou a ser utilizada pelas feministas como símbolo de liberação. Além disso, em uma das imagens mais fortes desta deusa, ela dança em cima de Shiva, outra divindade importante do panteão hindu, que é seu cônjuge. Tal ideia fascinou os ocidentais, que interpretaram sua nudez como provocação e subversão, além de terem associado o fato de ela estar sobre Shiva, com o ato da cópula. Vale lembrar que dentro do rico panteão hindu, Kali não é a única deusa representada nua ou associada a morte e sangue. Há outras menos conhecidas do ocidente, como Chamunda, Bhairavi, só para citar algumas.
Para Eunice, talvez, a escolha do símbolo da mais temida deusa hindu para o título de seu livro, represente a destruição dos paradigmas, dos valores calcificados dentro de sua sufocante sociedade. Ou, apenas, como Kali, a sensação de saciedade após devorar os demônios internos que a afligiam, sendo a escrita, então, o seu campo de batalha.
Sem mais delongas, vamos aos poemas!
| Marriages are made (From “FIX” (1979) | Casamentos são arranjados |
My cousin Elena is to be married The formalities have been completed: Her family history examined for T.B. and madness her father declared solvent her eyes examined for squints her teeth for cavities her stools for the possible non-Brahmin worm She is not quite tall enough and not quite full enough (children will take care of that). Her complexion it was decided would compensate, being just about the right shade of rightness to do justice to Francisco X. Noronha Prabhu Good son of Mother church | Prima Elena vai se casar Completas as formalidades: histórico familiar examinado para tuberculose e doenças mentais seu pai com o nome limpo seus olhos para estrabismo seus dentes para cáries suas fezes, para um possível verme não-Brahmin Ela nem é tão alta assim E nem tão cheinha assim (filhos darão um jeito nisso) Sua cor de pele, assim foi decidido, compensaria, estando próximo do tom correto da justiça para fazer justiça a Francisco X. Noronha Prabhu Bom filho da Mãe Igreja |
| Catholic Mother from Fix (1979) | Mãe católica extraído de Fix (1979) |
| Francis X. D’Souza Father of the year. Here he is top left the one smiling. By the Grace of God he says we’ve had seven children (in seven years). We’re One Big Happy Family God Always Provides India will Suffer for her Wicked Ways (these Hindu buggers got no ethics) Pillar of the Church says the parish priest Lovely Catholic Family says Mother Superior the pillar’s wife says nothing. | Francisco X D´Souza Pai do ano. Olha ele aqui em cima à esquerda, o que está sorrindo. “Pela Graça de Deus”…diz ele Tivemos sete filhos (em sete anos) Somos Uma Grande Família Feliz Deus sempre proverá A Índia Sofrerá por seus Perversos Caminhos (estes hindus irritantes não tem ética) Pilar da Igreja diz o pároco Adorável Família Católica diz a Madre Superiora A esposa do pilar nada diz. |
| Grandmother From “A necklace of skulls”(2009) | Vovó De “Um colar de crânios” (2009) |
| My grandmother was fourteen when she married We´ve lost that photograph of her with gold combs in her hair She was beautiful bore seven children And often ran home to her mother She and the servants Spoke the same language of silence | Vóvo tinha catorze anos quando se casou Perdemos aquela foto dela com grampos dourados em seus cabelos Ela era bela deu a luz à sete filhos E frequentemente fugia de casa para a casa de sua mãe Ela e os empregados Falavam a mesma linguagem do silêncio |
| Women in Dutch Painting (for Melanie Silgardo) From Women in Dutch Painting (1988) | Mulheres em uma pintura holandesa (para Melanie Silgardo[1]) Extraído de “Mulheres em uma pintura holandesa (1988) |
| The afternoon sun is on their faces They are calm, not stupid, pregnant, not bovine I know women like that And not just in paintings- an aunt who did not answer her husband back not because she was plain And Anna who writes poems And hopes her avocado stones will sprout in the kitchen. Her voice is oatmeal and honey. | O sol da tarde está em suas faces Elas estão calmas, não estúpidas, grávidas, não bovinas Conheço mulheres assim E não só nas pinturas- Uma tia que não retrucava o marido de volta não porque ela fosse feia E Anna que escreve poemas E aguarda que suas sementes de abacate brotem na cozinha. Sua voz é aveia e mel. |
[1] Melanie Silgardo- Aluna de Eunice de Souza, tornou-se uma das maiores poetas de língua inglesa da Índia. Assim como Eunice, filha de goeses católicos de Mumbai. Atualmente, reside em Londres.
| Aunt | Titia |
| My aunt loves bright colours Widowhood be damned. Ninety-one years be damned. She reads the newspapers from first page to last Looking for a cheerful story | Minha tia adora cores vibrantes Dane-se a viuvez! Danem-se os 91 anos! Ela lê os jornais da primeira à ultima página Procurando uma estória alegre |
| Advice to women | Conselho para mulheres |
| Keep cats if you want to learn to cope with the otherness of lovers Otherness is not always neglect- Cats return to their litter trays when they need to. Don’t cuss out of the window at their enemies. That stare of perpetual surprise in those great green eyes will teach you To die alone | Tenha gatos se quiser aprender como lidar com a alteridade dos amantes Alteridade não é sempre um descaso Gatos voltam para suas caixas de areia quando precisam Não xingam pela janela seus inimigos Aquele olhar de perpétua surpresa naqueles grandes olhos verdes te ensinará a morrer sozinha |
E aí? Gostaram dos poemas? Para a interpretação de cada poema juntamente com as notas do tradutor, sugiro que acessem o texto original disponível em: Pós-Graduação em Estudos da Tradução
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